“A sociedade do emprego acabou e a economia solidária é uma alternativa”, diz economista

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O economista Dimas Gonçalves, professor da PUC-Campinas, estuda o segmento da chamada economia solidária há 17 anos. De acordo com ele, o Brasil conta hoje com cerca de 20 mil empreendimentos neste setor. São cooperativas, grupos de produtores e organizações colaborativas que reúnem cerca de 14 milhões de pessoas e movimentam aproximadamente 3% do Produto Interno Bruto (PIB), ou o equivalente a quase R$ 200 bilhões, se considerarmos o PIB de 2016 (R$ 6,266 trilhões).

No dia 21 de dezembro, o professor ministrou a aula de encerramento do II Curso de Formação de Gestores em Economia Solidária promovido pela Câmara Temática de Agropecuária, Pesca e Economia Solidária do Conselho de Desenvolvimento da Baixada Santista (Condesb), em parceira com o Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista e a Agência Metropolitana (Agem).

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No alto, Dimas Gonçalves e Newton Rodrigues, coordenador da CT de Economia Solidária do Condesb, durante encerramento do curso.

Cerca de 30 (dos 40 alunos inscritos) participaram do evento, na sede do Parque Estadual Xixová-Japuí, em São Vicente, onde aconteceram as aulas do curso, iniciado em agosto. Participaram representantes de prefeituras da região, associações e organizações como Lavanderia 8 de Março, Produtores Rurais da Microbacia do Rio Branco, Rede Social Colaborativa de Santa Cruz dos Navegantes, Vila dos Pescadores, CDHU, FUNAI, Aldeia Tabaçu, APA Marinha Litoral, produtores de orgânicos, entre outras. O diretor-executivo da Agem, Hélio Hamilton Vieira Jr., esteve presente.

Em entrevista, ao destacar a importância da economia solidária, o economista Dimas Gonçalves afirmou: “A economia capitalista não vai gerar mais emprego como gerou nas décadas passadas. Estamos vivendo o começo de uma sociedade sem emprego. Mas temos trabalho e renda, consequentemente, a economia solidária trabalha nesta perspectiva: não da geração de emprego, mas de trabalho e renda.”

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Participantes do curso, professores e convidados que prestigiaram a aula de encerramento. (Fotos: Assessoria de Imrprensa/Agem).

CONFIRA A ENTREVISTA COM O ECONOMISTA

Muito tem-se falado sobre economia solidária, mas qual o cenário desse segmento no Brasil?

Hoje nós temos cerca de 20 mil empreendimentos classificados como sendo de economia solidária, desde cooperativas, associações, grupo de produtores e de coletores de material reciclável, bancos comunitários e várias cadeias produtivas (do leite, mel, macaxeira, peixe etc.). Temos cooperativas de confecção, alimentação, cozinha industrial, buffet, entre outros.

É possível quantificar a participação desses empreendimentos na economia?

É quantificável, sim. Eles giram em torno de 3% do PIB (Produto Interno Bruto) e envolvem cerca de 14 milhões de pessoas.

Considerando o PIB de 2016, R$ 6,266 trilhões, o setor movimenta algo em torno de R$ 200 bilhões. Não é pouco para um segmento que parecia estar muito mais relacionado à busca por alternativa ao desemprego, aos chamados ´bicos`…

Pois é. Quando começou, a economia solidária era um tapa buraco, um complemento de renda, uma forma de você defender alguma grana, enquanto estava desempregado. Nos últimos anos, não. Ele se torna realmente uma opção, porque você organiza empreendimentos econômicos na perspectiva de gerar trabalho e renda, não se importando com a questão do emprego e desemprego. Hoje, as pessoas estão mais fixas nesses empreendimentos.

Qual a importância dessa mudança de perspectiva dentro do cenário que chamamos de macroeconomia?

A economia capitalista não vai gerar mais emprego como ela gerou nas décadas passadas. A robótica, a informática, a comunicação e automação não geram volume de emprego em massa. A economia pode se desenvolver, pode crescer, mas o número de empregos não cresce mais. É só você ver como as categorias de trabalhadores estão enxugando. Dez anos atrás, havia no estado de São Paulo cerca de 54 mil bancários. Hoje, se tiver 10 mil é muito. Há 20 anos, as fábricas e montadoras de veículos tinham 30 mil trabalhadores, como era a Volkswagen, por exemplo. Hoje, são unidades de 3 ml. A automação e robotização permitem que o sistema produtivo produza muito mais, com mais qualidade e com muito, muito, muito menos pessoas. Então, o atual sistema econômico, no Brasil e no mundo, não gera mais empregos. Estamos vivendo o começo de uma sociedade sem emprego. Mas temos trabalho e renda, consequentemente, a economia solidária trabalha nesta perspectiva: não da geração de emprego, mas de trabalho e renda.

 

O senhor citou a automação como fator preponderante na mudança do cenário da economia. Mas creio que, à medida que cresce, o segmento da economia solidária também não poderá abrir mão das tecnologias, não é?

Não sei. Só sei que o futuro da sociedade não é mais uma sociedade de emprego – carteira profissional, seguro, direitos sociais, direitos trabalhistas adquiridos, isto não existe mais. Vivemos um momento de transição, não sabemos onde vai dar, mas um dos caminhos que a gente tenta colocar é a economia solidária. Não é o único nem é o remédio para todos os males, mas é uma forma de geração de trabalho e renda, que hoje trabalha com um público socialmente mais vulneráveis.

O senhor trabalha com economia solidária há 17 anos. Como vê esse debate, essa nova visão, dentro do discurso dos especialistas como o senhor?

Se você conversar com economistas, todos vão dizer das dificuldades e tal. Eu tenho uma proposta. Nós economistas que trabalhamos com economia solidária apostamos num caminho. Podemos estar errando, mas em 17 anos, eu só vejo crescimento e pessoas mais autônomas e que buscam mais a sua autonomia. Essa é a nova sociedade que está sendo desenhada. Mesmo que a economia cresça, não crescerá em termos de massa de emprego. O pleno emprego não existe, nunca existiu, é uma ilusão dos economistas.

Interessante, porque, em um mundo onde tanto se fala em globalização, surge uma alternativa que me parece mais voltada para a comunidade ou a localidade?

Exatamente. Hoje, por exemplo, muitas redes de supermercados estão desistindo de abrir grandes lojas para abrir pequenas lojas nas comunidades. Para nós, o território é importante, a comunidade, o micro é importante.

Aí não se corre o risco de essas grandes redes ´engolirem` os mercadinhos de bairro, por exemplo?

Risco a gente corre todos os dias. A economia é, na sua essência, risco. Ou melhor: a economia, na sua essência, é uma aposta.

O que o senhor tem a dizer para essas pessoas que participaram do curso, que têm seus projetos e têm, também, uma insegurança, justamente em razão da aposta que fazem, desse risco? Além disso, abandonar (e até mesmo compreender) a noção de que seguimos para uma sociedade sem empregos não é algo fácil.

Eu lembro do meu pai com o horário para almoçar, horário para chegar do trabalho. Você também deve lembrar do seu pai e desses hábitos que eram normais. Meu pai se aposentou. Seu pai se aposentou. Eu não sei se me aposento e, com certeza, meu filho não irá se aposentar. Essa é a nova sociedade que está sendo desenhada, uma sociedade de conflito. Mesmo em crise, a renda se concentra, há setores sociais que estão crescendo. Os dados recentes do IBGE colocam isso: 1% da população brasileira concentra 30% da renda do país. Nós somos o país de maior concentração de renda do mundo e mais uma vez há os dados do IBGE: 76% da população brasileira não vive bem. O futuro será difícil. Estamos aqui formando gestores e quem é gestor público, principalmente, precisa pensar políticas públicas e estimular essas alternativas e apostar na economia solidária.

Como é o cenário da economia solidária em outros países?

Também cresce, na Europa principalmente, e entre os jovens. O jovem não tem emprego na Europa, mesmo formado, qualificado, ele não tem emprego. França, Itália e Espanha são os que mais adotam iniciativas como formação de cooperativas, associações de trabalhadores. Estão saindo da crise não em termos macro, mas no micro, no território.

Há um projeto em tramitação no Congresso brasileiro que está sendo considerado o marco da economia solidária. Como está esse processo e qual a importância de termos um marco nacional?

O projeto que deve se tornar a lei nacional que será o marco regulatório para a economia solidária está em segundo turno de votação no Senado, já foi aprovado na Câmara dos Deputados. Mas nós temos aprovadas em 20 estados e 48 municípios leis de fomento a esse segmento. No estado de São Paulo são 11 municípios, entre eles, Santos. Há, ainda, São Carlos, Campinas, Ribeirão Preto, entre outras. Cada cidade faz a sua especificação. Uma lei nacional vai facilitar, porque todas essas legislações feitas separadamente vão trabalhar em função de um marco nacional.

Qual a principal proposta desse projeto?

É a possibilidade de um outro sistema de organização de cooperativas, porque nós já temos o sistema da OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras). A proposta traz uma outra concepção política sobre esse tipo de organização e dará um estímulo maior à economia solidária.

Essa proposta foi discutida amplamente?

Foi discutida nas conferências de economia solidária, que ocorre a cada quatro anos. Foram três conferências, então, faz 12 anos que essa lei está sendo discutida. Deve estar aprovada neste semestre.

Confira a matéria completa em: http://www.agem.sp.gov.br/a-sociedade-do-emprego-acabou-e-a-economia-solidaria-e-uma-alternativa-diz-economista/

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